Simona Cavuoto, O violino na metrópole
Das oito peças gravadas, seis foram escritas especialmente para o projeto e todas foram trabalhadas junto aos compositores, fomentando um ambiente que reaproxima intérprete e compositor.
A partir do arco histórico da tradição do violino, as peças buscam um diálogo com a sociedade urbana contemporânea, com suas peculiaridades e idiossincrasias. Nesse desafio, ora resvalam nas origens do instrumento, ora almejam novas sonoridades, formas e relações harmônicas, onde o instrumento cujo timbre nos é tão familiar ganha espaço novo e inusitado em nossa percepção musical. De um lado a metrópole como símbolo da sociedade no século xxi e, de outro, o violino em sua memória de mais de quatro séculos de história revelam-se nos diversos gestos, afetos e cores alcançados nas composições reunidas.
À luz da vigorosa produção da música brasileira do século xxi para o violino, o projeto propõe um recorte singular em um repertório fruto de um elaborado e cuidadoso trato da linguagem musical.
O lançamento do CD O Violino na Metrópole (pelo selo ÁguaForte) conta com o apoio do Programa de Ação Cultural (ProAC - 2010), da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. A produção é da ÁguaForte.
Programa
Willy Corrêa de OliveiraAllgemeine Periodik
Maurício De BonisPaulistinha (Imaginária)
Marcus Alessi BittencourtUm Móbile (seleção)Estandarte
Telegrama n. 1
Arboreto
Primeiro Espelho
Segundo Espelho
Espelho Último
Marcus SiqueiraCapricci Urbani
Capriccio I
Quase Barrocas
Pirano
Rodrigo LimaRecitare
Intérprete
Simona Cavuoto
Italiana, nascida em Rimini, formou-se pelo Conservatório de Música G. Martini de Bolonha, onde estudou com G. Armuzzi e Enzo Porta. Frequentou o Mozarteum em Salzburgo, com Ruggero Ricci, e a Academia Musical Perosi em Biella, com Corrado Romano. Recebeu orientação em várias masterclasses
com Franco Gulli, Michael Frischenschlager, Kolja Blacher, Franco Mezzena, Valery Gradow e Osvaldo Scilla. Também estudou na Escola Internacional de Música de Câmara do Trio de Trieste e com Franco Rossi - violoncelista do Quarteto Italiano -, na Escola de Música de Câmara para Quarteto de cordas, em Firenze.
Foi premiada em vários concursos como o Concorso Internazionale di Musica da Camera di Caltanissetta, em 1999, Concurso F. Schubert, em 1989, Concorso Città di Monferrato, em 1990.
Desde cedo integrou vários grupos italianos de música de câmera como o Trio Schubert (1989 a 1996) e Quartetto Agorà (1995 a 2003). No Brasil, integrou o Quarteto Portinari (2006 a 2008) e desde 2007,integra o Trio Arkhé, formado por Heloísa Meirelles e Horácio Gouveia. Em 1997, ao lado de Emanuelle Baldini, gravou pelo selo Agorà um CD dedicado aos Duos para violinos do compositor Giovanni Battista Viotti.
Em 2003, venceu o concurso da Orchestra della Fondazione Teatro Verdi em Trieste; desde 2005 integra a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp). Colabora frequentemente com vários grupos voltados para música contemporânea, destacando o Percorso Ensemble e Camerata Aberta, gravando CDs, estreando obras de jovens compositores brasileiros e executando um vasto repertório consagrado de obras de compositores dos séculos xx e xxi. Toca em um instrumento J.B. Vuillaume de 1845.
Sobre as composições que integram o CD Violino na Metrópole, por seus autores:
Marcus Siqueira3 Capricci Urbani (2011)
Trata-se de uma obra aberta que almeja retratar dois universos sonoros distintos: de um lado o espectro sonoro do violino advindo dos séculos xvii ao xix e de outro, intentamos uma nova profusão de sons, articulações e texturas advindas da estrutura física natural do instrumento. A escolha do nome “Capricci” é inspirado diretamente de Paganini, porém, buscamos aqui um conceito de virtuosidade que esbarra em critérios como clareza, precisão técnica e principalmente a materialização de novas estratégias motoras que o violinista desenvolverá de modo a obter sons dúbios e complexos. A palavra “urbano” se relaciona com a poética da cidade grande que, de tão devastada em sua dimensão geológica natural, estabeleceu novos paradigmas sobre o lírico e o belo. Desta forma, intentamos aqui extrair timbres que aparentemente seriam débeis ou inadequados para um discurso musical tradicional.
Marcus Alessi BittencourtUm Móbile (2001)
Em dez vinhetas, duas semanas da intimidade de uma pessoa solitária, senhor único de uma nação deserta, declamadas por um instrumento solitário: algumas leituras de Mário de Andrade, mensagens crípticas lançadas flutuantes ao mar proverbial, um passeio ao parque e três tentativas malfadadas de autorretrato em meio a um vulto angelical. Como mote, Maiakovski:
Eu levantei como um halterofilista,
carreguei como um acrobata.
Após, gritei:
"Aqui está! Aqui! É seu!"
As donzelas esconderam-se de mim
como foguetes:
"Preferimos algo um pouco menor;
talvez melhor fosse dançar um tango..."
Não tenho condições de carregar tal fardo - mas carrego.
Eu gostaria de atirá-lo longe - mas eu sei
que eu não devo atirá-lo longe!
As réguas de minhas costelas não aguentarão o tranco.
A gaiola de meu peito estala com tamanha pressão.
Willy Corrêa de OliveiraArya per Yara (2011)
Escutava a Sheherazade de Rimski e uma ideia ocupou-me, fixa: vislumbrava um movimento claro desde o agudo do violino baixando gradativamente até ao grave: um longo arpejo florido. De cada nota do arpejo florescendo uma “fioritura” ou um buquê ou um arranjo de flores. A cada novo regresso do arpejo as flores murcham, pétalas caem mais e mais, até que sobre apenas o ramo nu. Que essa ideia fosse compreendida como um estalo. Na realidade, a peça está apresentada no CD em outra ordem, embaralhada: à terceira aparição corresponde a ideia do arpejo totalmente florido; a primeira e a segunda das enunciações do arpejo apresentam diferentes etapas da perda de “fiorituri”. A última das enunciações do arpejo exibe-o como um galho que perdeu suas flores (fiorituri) , tanto aqui no CD como desde a ideia inicial.
Maurício de BonisPaulistinha (2011)Paulistinhas são pequenas imagens em barro ou madeira, produzidas por santeiros populares a partir de modelos portugueses – típicas da imaginária sacra paulista nos séculos xviii e xix. Imaginei uma Paulistinha em que o violino contasse do trabalho de esculpir. Num primeiro estágio, a peça de abertura (a madeira bruta sendo ferida pelos instrumentos), em que aos poucos se delineia a imagem almejada. Em um segundo estágio, o segundo movimento, em que a imagem se faz clara, polida, pintada. Para figurar minha escultura, utilizei como modelo um antigo canto de igreja registrado por Mário de Andrade, originário de um canto português (em minha “figura” o canto se transfigura na imagem que imaginei).
Rodrigo Lima
Recitare (2011)
Dois acordes, um quase “rasgueado” de violão, golpes de arco, linhas e uma voz quase muda, são alguns dos materiais que compõem a narrativa de Recitare. Não temos aqui a palavra como personagem tão expressivo e típico dos recitativos do período Barroco, mas é o próprio som emoldurado de diferentes maneiras que assume o papel principal, guiando essa espécie de declamação sonora. Para tanto, ao intérprete se exige grande flexibilidade, pois a música ao desenrolar do tempo sofre mudanças contínuas de momentos de extrema vida rítmica, sonoridades mais ásperas e outros momentos mais estáticos onde a voz em boca chiusa revela sempre um território mais sutil e lírico. Recitare é especialmente dedicada à violinista Simona Cavuoto, que me presenteou neste trabalho com sua dedicada e envolvente interpretação.
Willy Corrêa de Oliveira
¡Oh! este viejo y roto violín!
Recopio, aqui, o poema “Con el violín roto” de León Felipe, como introdução para a minha peça. Queria que o violino dissesse coisas alteradas, distintas, sim, poderia rumorejar, grunhir, que esbravejasse, mas, desta feita não cantasse, outrossim:
Con el violín roto
¡QUÉ MAL suena este violín!
León Felipe, vas a tener que comprarte otro violín...
— ¡A buena hora ...! ¡A los 80 años!
¡No vale la pena!
Con este mismo violín roto
voy a tocar para mí mismo
dentro de unos días «Las golondrinas»,
esa canción ¡tan bonita!
que los mexicanos cantan siempre
a los que se van de viaje.
¿Cómo empieza?
¡Adiós...! ¡Adiós...!
Cagh, Cagh..., ¡qué ronco estoy!
En verdad que suena muy mal este violín...
Pero con él tengo que tocar todavía
unas cuantas canciones
que se me olvidaron en mis Obras completas.
No quiero que se queden perdidas
en el barullo de mis papeles inútiles.
Marcus SiqueiraQuase Barrocas (2004-11)
Trata-se de uma obra metalinguística que tem como base três importantes compositores do Período Barroco: Bach, Tartini e Vivaldi. Esta obra busca estabelecer um discurso musical que dialoga às vezes direta e indiretamente com o gesto e afeto destes compositores. “Linhas de Eisenach”, intentam um discurso polifônico que nasce de uma linha (melodia); aqui encontramos fragmentos de um tratamento bachiano. “Pirano”, está voltada diretamente a Tartini; todo seu lirismo esbarra em um conceito violinístico peculiar em seu tempo. “Venezia”, retrata a dimensão lírico-textural de Vivaldi; uma profusão intensa de gestos e afetos. Em “Memórias” encontramos fragmentos das três peças anteriores e outras memórias de gestos violinísticos presentes nos períodos que sucederam ao Barroco até o Séc. xx. Tudo muito “escondido” aos ouvintes mais preparados.
Willy Corrêa de OliveiraAllgemeine Periodik
Quando meu pai morreu, anos passados: escrevi um pequeno Tombeau para ele, utilizando como material básico, (não mármores preciosíssimos), mas a canção, simples, que ele tanto cantava: Nature Boy!
Movido pela morte de Pousseur, há pouco, tornei àquela canção. Agora, como uma espécie de REFRÃO que acomoda vozes vindas através dos ventos mais distantes: coplas que entoam por sua partida. O REFRÃO, desde sua primeira aparição (quase abstrata), distante, vai aos poucos – em suas voltas – chegando cada vez mais próximo da canção, no final. Utilizei o violino porque devia uma peça para a Simona Cavuoto e porque o violino mais canta – quanto mais esteja só.
“Embaraçoso aproximar-se da citação de Mozart, assim, fora do contexto”, disse-me uma amiga, e eu respondi-lhe: incrustrado no Concerto K 216, tampouco me parece que esteja a salvo no “contexto”. Aliás, nesta minha peça, as vozes que se sucedem, tendem a ampará-las, apenas, o que elas queriam dizer ao Pousseur, tudo iluminado por Mozart – mestre valoroso de dialética – ele (por seu turno) ,mestre de Pousseur, e Pousseur, meu mestre mais direto. Se não calhar, pode ser que não tenha bem compreendido a dialética ... ainda mais: na música.
O título da peça é o mesmo do curso inesquecível que Pousseur ministrou em Darmstadt, em 1962.
Recital de Lançamento do CD O Violino na Metrópole, de Simona Cavuoto
Data: 03 de fevereiro de 2012 (sexta-feira)
Horário: 21 horas
Local: Espaço Cachuera! - Rua Monte Alegre, 1094 - Perdizes - São Paulo
Entrada franca
Capacidade: 100 pessoas
Mais informações: 11 3872 8113 . 3875 5563 . cachuera@cachuera.org.br . www.cachuera.org.br
ÁguaForte Produções
11 3258 0615
producaoaguaforte@gmail.com . aguaforte@aguaforte.art.br
Idealização: Marcus Siqueira & Simona Cavuoto
Produção Musical: Thiago Cury & Marcus Siqueira
Gravação: Carlos (KK) Akamine
Assistente: Silvio Romualdo
Coordenação de Estúdio: Shen Ribeiro
Mixagem: Homero Lotito (Estúdio Trilha Certa)
Masterização: Homero Lotito (Reference Studio)
Gravado no estúdio Cachuera nos instrumentos J.B. Vuillaume de 1985 & David Baghé i Soler de 1997
Design Gráfico: Paulo Vidal de Castro & Thais Vilanova
Arte Original & Fotos: Julio Kohl
Tipografias: Hoefler & Gothan
texto de Paulo Vidal de Castro e Thais Vilanova escrito no início da programação visual do CD:Montagem
O princípio básico da capa é uma montagem. Tal qual a idéia de Eisenstein e os ideogramas japoneses. A montagem da imagem do minhocão com as 4 linhas como as cordas do violino sobre ele já diz: violino na cidade.
Logo antes das cordas do violino aparece a afinação tradicional, como vimos em um livro barroco sobre música escrito no ano 1650 (http://num-scd-ulp.u-strasbg.
Le Corbusier (1887–1965) e Leonardo Fibonacci (1170–1250)
Toda estrutura do tamanho das fontes e entrelinhamento (como uma escala dentro de uma harmonia) partiu a partir da combinação entre duas séries de Fibonacci (que se relacionam entre si) que foi utilizada por Le Corbusier em toda a sua arquitetura e proporção tipográfica:
4 / 6,5 / 10,5 / 17 / 27,5 / 44,5 / 72 / ...
/ 5 / 8 / 13 / 21 / 34 / 55 / 89
O bloco de texto e imagens do livrinho/encarte será criado a partir de princípios do livro Le Modulor (1954), de Le Corbusier.
Fontes – Jonathan Hoefler
Ambas as fontes (Hoefler e Gothan) foram criadas por Jonathan Hoefler – um grande tipógrafo contemporâneo que nasceu em 1970, e criou algumas das mais brilhantes (e profundas) fontes para serem utilizadas nas simples e planas impressões digitais atuais.
A Hoefler é uma família completa de tipos criada no início da era digital. O Jonathan criou uma fonte que utiliza várias citações: como criações do início do século xx, barroco, arabescos partindo do renascimento – entre outras influencias – para chegar em vários elementos novos deste século (pontuações, combinações entre acentuação e letras, versaletes em itálico, etc).
Já a Gothan (sem serifa) foi inicialmente encomendada para uma revista, e foi baseada em estruturas geométricas e atuais – tudo girando em torno de uma grande cidade (Nova Yorque, no caso). Ambas as fontes possuem uma perfeita combinação de estrutura tipográfica em relação à outra.
O nome da Simona sempre aparece com uma das opções do S da Hoefler que parece um ouvido de um violino. O mesmo ocorre com o Q – da Quase Barrocas –, que é uma citação Barroca desta tipografia; e o e – de Um Mobile – que tem a forma bem similar a um pedaço de uma escultura de Alexander Calder.
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